De 'look picanha' a quiosque VIP: como show de Lady Gaga movimenta economia no RJ
Comerciantes lançam produtos e serviços para atrair público da cantora, que se apresenta neste sábado no que promete ser um dos maiores shows da história r...

Comerciantes lançam produtos e serviços para atrair público da cantora, que se apresenta neste sábado no que promete ser um dos maiores shows da história recente do Rio de Janeiro. Engenheiro florestal Felipe da Silva Gomes viajou de Vitória para ver Lady Gaga.. BBC Em pleno feriado do dia do trabalhador, uma longa fila com dezenas de pessoas contrastava com as portas de lojas fechadas no centro do Rio de Janeiro. Com uma maioria de jovens, o grupo aguardou durante horas em pé para conseguir entrar no único estabelecimento aberto nas redondezas. Na porta, o letreiro neon chamava a atenção para o produto em destaque: "Picanha da Gaga". O local não é um açougue, nem vende comida, mas promete saciar os fãs da cantora sedentos por um look especial para ir ao show em Copacabana. Depois de passar duas horas na fila, o professor Elias Nunes segurava orgulhoso, dentro da loja, uma das últimas unidades disponíveis para venda de uma blusa com estampa de carne. Estava disposto a pagar cerca de R$ 150 pelo conjunto de roupa e boné com a mesma estampa para usar na noite do evento, apesar de ser vegetariano. Elias defende que a homenagem para a cantora justifica a escolha. "Em 2010 ela apareceu no Grammy com essa roupa de carne. Foi um grande ato fashion, mas também um grande ato de protesto contra a forma como, às vezes, os nossos corpos são tratados, como apenas um pedaço de carne. Como eu sou vegetariano, tomara que Lady Gaga lance uma roupa de alface também. Eu vou comprar." Bruno Marcelino Costa mostra uma de suas tatuagens em homenagem a Gaga. BBC A dona da loja e criadora da roupa com estampa de carne percebeu esse apetite dos fãs por itens especiais há dois anos. Siluana Bezerra é de São Luís, no Maranhão. Desde que chegou ao Rio de Janeiro, sempre trabalhou no comércio, como vendedora. Há três anos decidiu abrir a própria loja de artigos infantis e serviços de gráfica em sociedade com a filha, no centro de comércio popular do Rio, conhecido como Saara. Com as vendas em baixa, teve a ideia de criar um produto especial para os fãs do grupo musical pop mexicano RBD, que se apresentou em 2023. Vendeu mil unidades de uma gravata vermelha de tecido, característica da banda. Com o sucesso, no ano passado a empresária investiu na produção de uma camiseta com cones dourados no peito para atrair os fãs da Madonna. Conseguiu vender duas mil unidades, a R$ 120 cada. Neste ano, começou a se preparar cedo para desenvolver produtos relacionados a Lady Gaga assim que o show foi confirmado, há três meses. Então surgiu a ideia da "picanha". Siluana contou que fez uma montagem gráfica com várias imagens de carne para criar uma estampa semelhante ao icônico vestido. "Nós não acreditávamos que ia ser esse sucesso todo, mas vimos a necessidade do mercado porque todo mundo oferece as mesmas coisas e os fãs querem ter produtos exclusivos. São peças que eles querem guardar como lembrança", contou a dona da loja. Até a véspera do show, Siluana contabilizava mais de mil peças vendidas com a estampa de carne, faturamento que diz compensar o ano todo de venda com os produtos infantis, agora restritos a apenas um corredor da loja. Vendedora elaborou peça de roupa baseada em vestido famoso usado por Gaga. BBC O engenheiro florestal Felipe da Silva Gomes tinha acabado de chegar ao Rio de Janeiro depois de uma viagem de oito horas de ônibus vindo de Vitória, no Espírito Santo, quando foi até a loja de Siluana, no centro do Rio. Pretendia gastar até R$ 400 em produtos para usar no sábado. "Eu acredito que quando você compra uma roupa especial para ir ao show, é como se fosse um uniforme de soldado para você se sentir mais parte do evento", declarou. A pequena legião de fãs que invadiu o centro da capital em pleno feriado não representa um comportamento isolado. Compras para montar o look do show são o principal motivo de gastos no comércio nesta época, de acordo com Aldo Gonçalves, presidente do Clube de Diretores Lojistas do Rio de Janeiro (CDLRio) e do Sindicato dos Lojistas do Comércio (Sindilojas Rio), entidades que representam mais de 30 mil estabelecimentos comerciais na capital. "É como os torcedores fazem num jogo de futebol, se preparam para o jogo vestindo a camisa do time", comparou. O impacto da "torcida Lady Gaga" é refletido na economia de toda a cidade, segundo um estudo elaborado pela Prefeitura do Rio, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e da Empresa de Turismo do Município, a Riotur. A estimativa é que o show deve movimentar R$ 600 milhões na capital, 27% a mais do que a cifra gerada pelo show da Madonna, no ano passado. A renda vem dos 240 mil turistas brasileiros e estrangeiros e do público esperado de 1,6 milhão de pessoas nas areias de Copacabana. O presidente da RioTur, Bernardo Fellows, disse à BBC News Brasil que este já é o terceiro maior evento da cidade neste ano, perdendo somente para o Carnaval e o Réveillon, com impactos que duram além do momento. "A gente acredita que isso movimenta a economia de uma forma também a médio prazo com novas oportunidades de trabalho", avalia. Segundo Bernardo, o ganho para a promoção da cidade como um todo é muito maior. "A mídia global espontânea, se a gente fosse precificar isso no mercado, é algo em torno de R$ 1 bilhão. É um movimento muito grande para a cidade e para o país." Francisco Lima diz que acompanhar show será um 'sonho'. BBC Marketing para os fãs No desembarque de voos domésticos do aeroporto internacional do Rio de Janeiro, o RIOgaleão, a mistura de música alta, fantasias e maquiagem lembra a energia de uma escola de samba com a celebração do Ano Novo em Copacabana. Esse ambiente foi montado pela concessionária para receber os fãs de Lady Gaga no clima da festa. Duas artistas vestidas como a cantora se revezam nas fotos entre malas e turistas que acabaram de chegar. São esperados 363 mil passageiros entre os dias 29 de abril e 6 de maio, um aumento de 26% em comparação com o mesmo período do ano passado na época do show da Madonna. O número de voos previstos neste ano também teve um aumento de 19%, fechando em 4.192 pousos e decolagens durante o período. A concessionária aproveita o aumento no movimento para fazer a promoção de marcas no ambiente especialmente projetado para o desembarque. O fotógrafo Bruno Marcelino Costa tinha acabado de chegar de Santa Catarina quando começou a fazer uma tatuagem definitiva em pleno salão de desembarque. O espaço foi montado pela concessionária como mais uma ação de marketing e captou fãs que querem eternizar o momento com desenhos inspirados na artista. Bruno escolheu a palavra "monster", em homenagem ao álbum "The Fame Monster". Na decisão, pesou o sentimento de proximidade com a cantora. "Ela fala sobre monstros internos, como é que a gente pode dominar eles para aprender a conviver com nossos medos, nossas inseguranças." A nova tatuagem, no braço direito, é a segunda de Bruno em homenagem à cantora. A combinação de promoções de marketing com o sentimento dos fãs é outro fator que impulsiona a economia em torno do evento. A produtora Bonus Track, responsável pela realização do show, informou que o número de patrocinadores e ativações de marca aumentou este ano, em comparação com o show da Madonna. Segundo a assessoria da produtora, o valor total arrecadado com patrocínios não pode ser divulgado por questões de contrato. As 4 mil pessoas contratadas para trabalhar na produção do evento dão uma ideia da magnitude dos valores envolvidos. É amanhã: Lady Gaga canta para um público esperado de 1,6 milhão de pessoas em Copacabana Hospedagem mais cara O HotéisRio, sindicato do setor hoteleiro, divulgou na última quarta-feira que a média de ocupação dos 45 mil quartos disponíveis na capital estava em 86%. Na região de Copacabana, o número sobe para 95,63%. Com tanta procura nos hotéis, a cirurgiã dentista Loane Ferreira da Silva, que mora em Belém, no Pará, resolveu alugar um apartamento numa plataforma de aluguel para fugir dos preços altos de hospedagem convencional. Ela relatou que conseguiu um imóvel no Maracanã por um preço dentro do esperado. "Nós achamos que poderia estar bem pior, depois de uma semana a gente viu que os preços aumentaram muito. A gente comprou na hora certa", disse Loane. Nem todos tiveram a mesma sorte. O professor Lucas Fabio Parente disse que teve uma a reserva cancelada por uma plataforma mais de dez vezes. Por isso, decidiu procurar hospedagem num hotel. A Secretaria de Estado de Defesa do Consumidor e o Procon do Rio de Janeiro abriram um processo administrativo contra plataformas de reserva de imóveis por temporada. Há indícios de que muitos cancelamentos estão ocorrendo para renegociar para cima os valores de locação, prática considerada abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor. As plataformas terão que informar quantos proprietários cancelaram reservas ou renegociaram valores entre os dias 20 de abril e 10 de maio. Quiosques em Copacabana tentam atrair espectadores do show. BBC Cercadinho VIP Numa rápida caminhada pelo calçadão da praia de Copacabana é possível comprovar a disparada de preços pelo efeito Lady Gaga. Os quiosques da orla estão cobrando ingressos para a entrada noite do show. São áreas conhecidas como "cercadinhos VIP". O Quiosque Palace é o mais próximo da frente do palco. E o mais caro. Um funcionário informou que o ingresso custa R$ 3 mil para ter acesso à área VIP, que vai ser cercada, mas sem direito a reserva de mesa e nem garantia de cadeira disponível. Para isso, aconselha chegar cedo para garantir um lugar, mesmo com o preço alto do ingresso, anunciado como o segundo lote de vendas. O valor inclui banheiro privativo, comida e bebida liberadas. O anúncio lista que serão servidos "salgadinhos diversos, frios, filé com fritas e espetinhos". O presidente da RioTur, Bernardo Fellows, disse à BBC News Brasil que é permitido cobrar ingresso para acesso dentro da área do quiosque, mas ressaltou que "o valor não pode ser abusivo, nada que salte aos olhos da população". Enquanto isso, basta caminhar alguns metros para conseguir um preço melhor. A 10 metros de distância, mais afastado do palco, o ingresso para acesso à área VIP custa R$ 2.500 no Quiosque Cabana. E se afastando mais um pouco, a 50 metros de distância, o valor cai para R$ 1.700 no Quiosque Nacho. Para quem quer economizar ainda mais, o preço do ingresso despenca no Quiosque Finn, situado atrás do palco. Custa R$ 100 a reserva de uma mesa. Show de Lady Gaga deve superar público da apresentação de Madonna, no ano passado. BBC Tão perto, tão longe Entre tantos preços proibitivos para a maioria da população brasileira, o operador de telemarketing Francisco Carlos Evangelista Lima suspirava encostado no ponto mais próximo que conseguiu chegar do palco vazio. "Estou admirando o tamanho desse palco e o quanto é real que a gente está aqui e vai viver isso", disse Francisco. Ele contou que parcelou em muitas vezes o custo da passagem aérea de Fortaleza, onde mora, para conseguir pagar. E dividiu uma hospedagem simples com os amigos para caber no bolso. Sem ingresso VIP, ele está ciente de que esta é a distância mais perto do palco que vai conseguir chegar durante toda a viagem. Mesmo assim, garante que está satisfeito: "realmente é um sonho".